Poesias

Que sombra é esta

Que sombra é esta
que discursa por mim
me chama por outro nome
bebe por minha boca e, aos uivos
faz amor no meu lugar?

Que sombra é esta
que me anda a mentir
e que a outros senhores serve
loba que foge dos cordeiros?

Que sombra é esta
que anda a olhar-me de esguelha
pelo olho vesgo do coração
e vive do quase morto de mim?

Que sombra é esta
que me anda a levantar
quando caio de joelhos
a debulhar-me em lágrimas
para, sobre o bobo de mim, reinar?

Que sombra é esta
que rouba meus livros
colhe meus lírios
apunhala meus sonhos
até onde se findam os dias?

Que sombra é esta que
cochicha entre os seios
da minha amada, e goza
e sopra e até por mim cantarola
os poemas que escrevo?

Sombra fantasma de mim
que ignoras a alegria de alto
gritar, de bater num só coração
até que máscaras caiam de mim,
cansadas de trair, de golpear a verdade.

Sombra fantasma de mim
que não sabes renascer, aleitar-te,
nem ousas acudir a agonia do outro
o que me veste de mortalhas, e vela,
e laça a corda que me enforca
pelo pescoço das palavras, dos sentidos
antes que falsas verdades se cunhem
nas mentiras de todos os dias e horas,
de todas as moedas, dos valores
da indiferença, do silêncio, do desprezo.

Sombra fantasma de mim
que sacrificas aos deuses os que perderam
o desejo, a fé de um cadáver que não se resigna,
onde não veremos outros sentidos, outra alegria
senão a nossa própria e apunhalada dor
de apalpar em vão o esgar frio de um outro corpo.


07/12/2010

 

 

Site da Rede Artistas Gaúchos desenvolvido por wwsites